quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Queimem os versos!



A poesia me consome novamente,
As letras borbulham no caldeirão do meu cérebro bruxo,
O líquido que cozinha não cabe mais nesse recipiente.
A inquietação toma conta do pensamento
E o que parecia adormecido volta a incendiar por dentro.

Eu caminho por todos os cantos desse novo cenário,
Tateando as idéias e contornando o entusiasmo,
Cada palavra escrita só sai se for bem dita antes
No interior, no imaginário.

Jogar palavras ao vento já não serve,
Escrever por dizer já não basta.
Se for pra escrever que eu sofra a dor do parto
De toda pequena parte da obra em concepção.
O gozo não é suficiente,
Não posso maltratar o grande ofício dos poetas,
As grandes idéias dos profetas,
Só pelo prazer de masturbar a literatura, sem o coração.

Eu canto as frases antes de serem escritas,
Eu beijo as letras antes de serem ditas.
Eu maltrato as idéias sublimes
E acaricio as idéias malditas.

De acordo com o meu desequilíbrio
Não pretendo ser mais um Pessoa.
Pois não tenho a magistral escrita
Tão menos uma idéia boa.
Apenas escrevo diante daquilo que condeno ou amo,
Antes de reclamar eu clamo. Antes de me ausentar eu chego.

Acabei de apagar diversas frases,
Acabei de revisar o texto acima.
Daqui a pouco deleto tudo e escrevo de novo.
Não há nada tão perfeito que não deva ser queimado,
Ou que mereça ser premiado, divulgado ou aclamado.

Cada verso é apenas um recurso da nossa alma
Para tentar dizer algo que não precisa,
Para tentar elucidar sentimentos intangíveis.

Não deveria estar escrevendo
Pois me enjoam leitores soberbos
Balbuciando a inteligência de seu autor predileto,
Conquistando amores e declamando idéias que não viveu,
Não pensou, não sentiu, não dançou.
E também odeio poetas medíocres como eu.

O pseudo leitor não merece a poesia,
Nem a amada amante, nem o poeta de frases por frases.
Essa tarefa inútil de escrever algo me move,
No entanto sou contra.
Mas sou contra muitas coisas que faço, penso e digo,
Então escrevo e continuo sendo contra.
Se fosse um ser alienígena dotado de outro dom,
Senão o da escrita,
Executaria minha obra.
Pois não merecer é apenas o preço
De quem volta a escrever como um recomeço.

Parar para pensar é estranho.
Escrever o que se pensa, ainda mais.
Mas o mais intrigante é esse desejo
De querer expressar quando já não basta
A dor, o amor, a beleza ou a paz.

Queimem os versos!



por Mário Barroso

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