quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Cena Independente e Mainstream: planetas diferentes!


Caro Álvaro Pereira Júnior, não duvide: tenho uma discussão ainda mais importante para propor!

Li atentamente seu artigo na Folha de São Paulo, não apenas por ser mais um operário da cultura que atua no Sesc, por ter crescido no circuito independente de música e ser um militante da área cultural. Mais ainda por prazer em mergulhar na reflexão sobre a realidade em que vivemos, como cidadão, produtor, jornalista, músico, ou seja lá o módulo que eu possa representar, ganhando ou não para isso.

Chama atenção em seu texto, primeiramente, o tom de desconfiança sobre a credibilidade desses artistas da “nova mpb que vivem graças a programação cultural dos Sescs”, comparando-os com outros artistas do mesmo gênero como referência de afirmação e crítica. Questionar o valor artístico de um profissional da cultura apenas por não ter um público devidamente interessado em suas obras, disposto a pagar valores de ingressos absurdos, é uma visão brutalmente limitada. Na contramão da arte, como princípio.

A expressão de um artista jamais pode ser dimensionada pelo seu cachê ou apelo de público. Existem inúmeros exemplos de músicos, anônimos e ídolos, que viveram e morreram na miséria, se apresentaram em pequenos shows e produziram obras que valem muito mais do que a Beyoncé vai ganhar de cachê durante toda a vida, em seus shows superlotados.

No mais, a imensa maioria dos artistas que se apresentam no Sesc possuem uma carreira na cena independente, com iniciativas coletivas, em rede, trilhada ainda com o apoio de editais, apresentações em equipamentos culturais, públicos e privados, aulas e workshops em instituições diversas. Não começam e nem acabam, apenas continuam a existir no Sesc.

Outro ponto que preocupa é sua ironia com relação a mídia independente. Colocando jornalistas e críticos como meros bajuladores de amigos. Essa analogia evidencia o seu completo desconhecimento e desprezo pela cena e mídia independente, bem como, sobre a representatividade desses setores na sociedade atual.

Seguindo, tenho críticas ainda mais profundas sobre a instituição, no entanto acredito que o Sesc não é a causa dos problemas, mas sim, consequência. O mercado cultural se apresenta tão injusto e cruel quanto o mercado financeiro, há décadas. Os proprietários criam as casas para obter lucro, não para promover cultura. Os maiores prejudicados nesse processo são os artistas que você questiona. Quem teve a experiência de apresentar seu trabalho nas principais casas de São Paulo e ser refém da política dos bares e produtores, vítimas do Sesc, tem outro ponto de vista. O cachê por músico segue a média de R$300,00, há poucas exceções. Quase não há espaços para música autoral. Em alguns locais a banda tem que lotar a casa para receber entre 10% e 15% da bilheteria. Enquanto vendem ingressos, bebidas, lanches e serviços superfaturados, os proprietários pagam uma miséria aos funcionários e artistas, muitas vezes burlam a fiscalização sanitária, patrimonial ou de segurança. Eles choram, mas nunca quebram!

Quando avaliamos a aplicação da verba pública, a situação é ainda pior, principalmente em cidades do interior do país. Pode-se afirmar de forma grosseira que 70% do dinheiro das Secretarias, Diretorias ou Subdivisões de Cultura é aplicado em grandes shows e rodeios (o que equivale a um ou dois grandes shows no ano). Os outros 30% são investidos para produzir um factoide do modelo de carnaval do Rio de Janeiro e Salvador. Os municípios apenas pagam a folha de pagamento dos funcionários da Cultura e a manutenção de atividades que atendam minimamente suas respectivas populações. Os governos ainda congelam a utilização de parte da verba do setor para virar superávit e remanejar para outra área no próximo ano, pois se faltar Cultura ninguém percebe.

Portanto, sugiro outras questões para reflexão: por que nenhuma das emissoras de televisão com concessão pública possui um programa como o elogiado “A Fábrica do Som”, não seria um dever? Por que não há canais abertos de televisão comunitária para divulgação e visibilidade de trabalhos artísticos independentes, que fortaleçam a cena? Por que a verba da Cultura das cidades, estados e federação não chega a 1% do orçamento previsto para o ano? Por que esse dinheiro é ainda desviado e tão mal aplicado?

Por fim, você apresentou apenas uma tese, pouco fundamentada e limitada à realidade de uma capital, onde há praticamente um Sesc em cada estação do metrô. Eu ofereço uma antítese, pela experiência vivida nos últimos 15 anos país a fora, propondo mais perguntas do que respostas. A síntese é que neste sábado eu saio de casa com meu violão para tocar em um bar qualquer, no interior de São Paulo (o Sesc mais próximo fica a 40Km). Volto para casa com menos de R$300,00. Nessa noite, haverá apenas mais duas ou três atrações culturais rolando na cidade, privadas, que privilegiam o mesmo apelo de público da mídia convencional. Deixo uma última questão para você refletir: além de minha, a culpa é de quem?