domingo, 23 de setembro de 2012

Eu atuo no crime organizado!



Gostaria de fazer uma denúncia a todos. Eu, Mário Sérgio Barroso, 30 anos, 1,74m de altura, olhos castanhos, branco (cor de pele e humano de raça), RG: 43.928.016-3, atuo no crime organizado. Mas, antes de você sair correndo ligar para a polícia, faço um alerta: cuidado, somos comparsas!


Minha carreira no crime começou cedo, de forma passiva. Uma criança ingênua, nascida na década de 80, que logo caiu nas garras do governo, da mídia e das grandes corporações. Enquanto eu pedia e brincava com brinquedos industrializados, como um mero videogame – objeto de desejo da maioria das crianças de classe média da época, vítimas de uma intensa massificação de publicidade que lapidou esse produto na mente da minha geração - milhares de pessoas eram escravizadas no processo de produção dessa maravilha, seja na China, em Twain, ou em qualquer galpão anônimo de subemprego da América, por exemplo. Inclusive meus pais eram escravizados pelo crime organizado para poderem me presentear com tais brinquedos, tirando muito mais que o dízimo dos seus salários para tanto, afinal, esses produtos carregam taxas que esfolam qualquer trabalhador, mutilando sua renda de forma abusiva e covarde.


Assim, cresci, cometendo o crime sucessivo de fazer parte e acreditar nesse sistema. Adquiri bens e desejos que não eram meus, formei aquilo que eu chamo de consciência. Quando completei o processo de independência em relação a minha família, o processo de formação curricular, comecei a tatear de forma mais clara como se deu o processo de dependência que eu fazia parte, o qual já fazia parte de mim.


Durante todos esses anos recolhi, incansavelmente, provas contra esse sistema. Contra você e eu. Não é fácil se reconhecer, mas é necessário. Hoje, tenho a plena certeza de que um jovem que compra três gramas de cocaína para fazer a sua noite mais feliz é tão comparsa do crime organizado quanto uma senhora que compra dois quilos de carne no supermercado para fazer a mistura do almoço de domingo. Tanto o produtor da droga quanto o produtor da carne são criminosos e os consumidores de ambas as substâncias são viciados e cúmplices.


Descobri que grande parte do dinheiro do narcotráfico, por exemplo, não está nos morros, mas nos bancos. Instituições que ainda lavam dinheiro sujo do tráfico internacional de armas, órgãos e pessoas, entre outros delitos. Se você tem conta em algum banco, como eu, você é cúmplice desses crimes. Cúmplice de instituições que atuam nas mais diversas esferas e ditam, junto aos chefes de estado, a mídia e as grandes corporações, o resultado da equação do desequilíbrio social. Cada criança analfabeta, cada jovem drogado, cada cabeça de gado que vira bife no açougue ou supermercado, é friamente resfriada e calculada, assim como, sua oferta, seu acesso.


Veja quanta incoerência e hipocrisia da nossa parte: não admitimos que um assassino trabalhe dentro da nossa casa, seja para pintar uma parede, mas admitimos que um grupo deles nos governe, cuide do nosso dinheiro e ainda façam uma jogatina particular com os juros do rendimento do mesmo e pintem o sete à vontade ao redor do mundo.


“Nossa, que radicalismo sem noção” - exclama a senhora na fila da carne, que acabou de escutar as afirmações acima. Com dó e sem piedade eu reafirmo: sim, senhora! No entanto, com um pouco de noção!


Pois foi dessa forma que seguimos como civilização, evoluindo, até aqui. Criticamos a corrupção política, mas financiamos e participamos ativamente do processo eleitoral, acreditando pelos mais diversos motivos que alguém pode entrar no jogo e mudar algo. Enquanto votamos, alimentamos a corrupção política, seja por convicção ou pela falta dela. Não contribuímos em nada com a chamada Democracia, até porque não nos permitem e continuamos caminhando com medo da ditadura que nos fez parar para sofrer e pensar. No fundo, sofremos muito mais do que pensamos. Ainda escolheram um caminho que não foi o melhor, fazendo a gente acreditar que nós o escolhemos, entoando o coro de que era a única saída.


E nessa, as dicotomias foram criadas, implantadas em nosso cérebro numa programação mais poderosa do que a neurolinguística, sem saída. A reflexão persiste, como tabu: ditadura ou democracia, capitalismo ou socialismo, esquerda ou direita. Situações, que embora pareçam antagônicas, são irmãs de sangue, corpo e alma.


Quando o nosso foco deveria ser mais amplo, não apenas restrito a dinheiro e poder, crime e castigo. A algo que transcende o limite entre as ciências sociais, a filosofia, a psicologia, a religião. Aquilo que nos torna humanos, ou seja, a soma disso tudo e mais um pouco que ainda desconhecemos, como as influências genéticas e cósmicas.


“Esse cara é louco”, agora afirma a senhora. Reafirmo novamente: sim, senhora. Um louco como outros tantos, que sobrevive em uma sociedade hospício e vê loucura em tudo que você acha normal e normalidade em tudo que você acha loucura.


Se você ler esse texto num jornal ou na internet (seja até mesmo no meu blog), não pense inocentemente que esses veículos estão isentos, até porque a liberdade de expressão não nos mata e nem nos fortalece, apenas dissimula.


A verdade é que enquanto eu estiver vivo continuarei cometendo crimes, afinal, já estou enraizado no crime organizado e vice-versa. Quando compro qualquer produto ou consumo qualquer bem. Quando presto qualquer serviço ou exerço qualquer atividade profissional.



Por mais que você não aceite, somos cúmplices, criminosos e comparsas! A não ser que você produza seu alimento, suas roupas, seus utensílios domésticos, seus bens de consumo. O que não é o caso, pois se fosse, não teria como você ter, sequer, acesso ou interesse por esse texto.


Tenho a ousadia de afirmar que não há nada que escape das garras do crime organizado, até mesmo os índios mais isolados que ainda vivem no interior do Brasil. O crime organizado dominou o mundo, moldou o ser humano e determina a relação de promiscuidade do segundo com o primeiro.


Em meio a esse tsunami de argumentos e descrença, ainda há uma saída. Mas, segundo uma teoria que a insônia e a insanidade me fizeram produzir: 80% das pessoas desejam encontrá-la, só que as 20% que detém o poder (ou estão ligadas a ele, direta e indiretamente) desejam escondê-la. Por enquanto, eu continuo sendo um criminoso, buscando uma forma de me tornar inocente, até agora, sem sucesso.


Eu me confessei, denunciei a minha participação no crime organizado neste depoimento de três laudas e incluí você como meu parceiro e cúmplice. Agora, defenda-se se achar necessário ou prenda-me, se for capaz!

2 comentários:

Edson D'aísa disse...

Somos todos filhos deste capitalismo meu caro, o simples fato de postar esse comentário já me faz seu cúmplice. Essa consciência talves diminua nossa pena, ou não!

willgonçalvez disse...

E o pior e que quando somos corretos , somos banalizados por um povo que não sabe como ser. A cultura de exploração é conservada ate ho e por alguns herdeiros dessa pratica e seus seguidores.