quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Quanto vale o seu anel de ouro?


O acidente na mina San José, no Chile, reabre as discussões sobre as improbidades praticadas pelos grandes grupos, corporações e governos na atividade extrativista

Baseado em uma emblemática passagem bíblica, o presidente chileno Sebastián Piñera, pouco antes do início da operação de resgate dos 33 mineiros, disse: “A fé movimentou montanhas”.

Hoje, veículos de comunicação de todo o mundo transmitem o que parece ser o fim do drama dos 33 mineiros do Chile, soterrados há três meses. Trabalhadores, pais de família, que servem ao grupo San Esteban, proprietário da mina San José, já pressentiam a provável tragédia. “A mina chora com frequência”, contava um dos mineiros meses antes do desmoronamento, afirmando que ela derramava “lágrimas de poeira e de cascalho” e que todos aqueles que trabalhavam nela estavam conscientes que a mina, com mais de um século de atividade, não era segura.

O Ministro das Minas do Chile, Laurence Golborne (aliás, nome curioso para um dirigente chileno, não acham?), afirmou: “Nada substitui a ética e a consciência de segurança das empresas e dos trabalhadores”. Ética? Consciência de segurança?

Mais de oitenta acidentes foram relatados nas últimas décadas na mina San José e deslizamentos de cascalho eram freqüentes. Em 2007 a mina de cobre e ouro foi fechada devido a morte de um operário, mas logo no ano seguinte já foi reaberta, sem nenhuma medida de segurança implantada, afinal, tempo é dinheiro ou como diriam os descendentes de Golborne: “time is Money”.

O desmoronamento do dia 5 de agosto de 2010, que deixou os 33 mineiros presos embaixo da terra, resultou de uma explosão provocada pela ruptura do equilíbrio natural da estrutura da mina (resultado da contínua e desgovernada extração de minérios). Essa é a principal causa dos acidentes em minas do Chile e de todo o mundo. Mas as irregularidades são inúmeras: falta de escada de emergência, rampa de acesso, sistema de ventilação adequado, medidas para evitar contaminação e por aí vai...

Para se ter uma idéia de quanto o Estado chileno se preocupa com a segurança dos mineiros, o Serviço Nacional de Geologia e de Minas, órgão regulador da atividade no país, tem somente dezesseis inspetores para monitorar mais de 4.000 minas. Isso não é diferente nos órgãos dos demais países da América do Sul. Agora, o governo chileno promete dobrar os investimentos e o número de inspetores, isso também ocorre nos demais países da América do Sul quando há ocorrências dessa magnitude. Quem souber dizer qual será o desfecho ganha um doce!

O Chile é o principal produtor de cobre de todo o mundo, extraindo mais de um terço do cobre mundial. O metal avermelhado representa 60% de suas exportações e 15% de seu produto interno bruto. A gigante estatal Codelco e algumas grandes multinacionais (BHP Billiton, Barrick, Xstrata Copper) são detentoras da maior parte dos rendimentos da atividade extrativista.

fotos dos 33 mineiros soterrados há três meses

Por incrível que pareça, os mineiros de San José garantem que sua profissão, difícil e perigosa, faz deles trabalhadores privilegiados no meio operário chileno, pois recebem por mês quase quatro vezes o salário mínimo do Chile (o equivalente a R$ 595,00). Logicamente, eles não levam em conta o nível de contaminação a que estão expostos, a extensa jornada de trabalho, a falta de segurança, entre outras questões cruciais.

Entender o por que disso é tão difícil quanto entender de onde os mineiros tiram forças para entoar o hino do Chile, ao lado da bandeira do seu país, enquanto estão soterrados pela ingerência do próprio Estado.

Ao longo dos últimos séculos, desde o massacre pacífico dos colonizadores americanos e a descoberta das minas de Potosí (Perú) e Ouro Preto (Brasil), por exemplo, trabalhadores de todo o mundo passam mais da metade de suas vidas sobre metros e metros de terra. Sujeitos as mais diversas formas de contaminação, das mais diversas substâncias. Reféns das mais diversas formas de exploração, dos mais diversos tipos de grupos, corporações e governos.

Não importa qual é o metal, qual é o país ou grupo detentor da atividade extrativista, a regra é sempre a mesma. Na África, os diamantes brotam em meio a guerra civil e ao trabalho escravo. Cerca de milhões de pessoas são assassinadas brutalmente devido ao tráfico ilegal dessa pedra. Na América, parece inesgotável a quantidade de ouro, prata e cobre. Um continente onde a riqueza da terra não é suficiente para matar a fome, para acabar com a pobreza ou para, ao menos, diminuir a desigualdade. Na Europa e Estados Unidos, o sangue e o suor dos mineiros de todo o mundo são polidos e, após um processo de higienização, o material bruto é trabalhado para ser importado e exportado pela indústria da moda como pulseiras, colares, anéis, brincos, entre outros milhares de artefatos.

No entanto, a sede do mercado de mineração não abre espaço para questionamentos. Milhões de pessoas procuram ansiosamente pelas novas peças de sua coleção. Como faraós do Egito antigo, adornam suas roupas, móveis, utensílios domésticos, entre outros tantos objetos possíveis e inimagináveis com suas pedras e metais.

Rasgando a Terra, abrindo as veias do planeta sem dó, nem piedade, as corporações multinacionais seguem propondo parcerias criminosas para governos e mineiros visando atender a crescente demanda. Talvez, a colocação do presidente chileno, trazendo a emblemática passagem bíblica para ilustrar os recentes acontecimentos, tenha sido infeliz. Sugiro outra citação, um tanto mais cabível:
“A fé move montanhas, o capital remove!”.



Por Mário Barroso
MTB: 47.431/SP



2 comentários:

:) disse...

E o G-8 com isso ?

Unknown disse...

A escravidão não acabou, o homem continua preso ao poder econômico.