terça-feira, 10 de novembro de 2009

"Há um muro de Berlin dentro de mim"

Com a queda do muro de Berlim (1961 - 1989) o mundo mudou e foi postulado fisicamente o fim de uma guerra psicológica, conhecida como "Guerra Fria". O período que dividiu o mundo em dois e segregou ainda mais os povos em socialistas, comunistas ou capitalistas está registrado em qualquer livro de história, artigo, crônica ou poesia e já não desperta surpresa em nenhum ser humano minimamente alfabetizado.

No entanto, o que mais chama a atenção nas comemorações dos 20 anos da queda do muro não é o gigantesco dominó montado em Berlin (o qual representou a queda parte a parte dos regimes socialistas na Europa), tão menos o show do U2 para milhares de pessoas ou as matérias especiais nos jornais e revistas do Brasil e do mundo.

O fato mais impressionante nesta História toda é o consenso de que o mundo tomou o rumo certo com a derrubada do muro (que realmente foi uma atrocidade como tantas outras praticadas pelos Nazistas). E que hoje estamos livres! Sim, livres de Nazistas, governos autoritários, guerras injustas, pois o comunismo foi derrotado e o maior problema sempre foi o comunismo!

Não há bandeira maior no capitalismo do que a reescrita acima, a não ser a liberdade, mas não qualquer liberdade, a liberdade de consumo. "O capitalismo trouxe a liberdade para o mundo que vinha sendo vítima de regimes totalitários e comunistas", você já deve ter ouvido isso por aí?

Então hoje, quando eu acordei decidi olhar novamente para este mundo pós-Comunismo, ou melhor, para este mundo livre e quando abri a janela me deparei com um muro de um condomínio, cercado, com seguranças, cães de guarda, isso te lembra algo?

Pois bem, não parei por aí, decidi abrir um jornal e percebi inúmeros muros que ainda separam e segregam povos (crianças, jovens, mulheres, homens e idosos). Me espanto ao ver Israel com um muro que isola seus vizinhos palestinos. Justo os Judeus, tão injustiçados e marginalizados pela história, cometendo atos que se assemelham aos Nazistas?

Viro mais uma página e em meio a 75% de anúncios publicitários, descubro que a Arábia Saudita faz o mesmo com os seus vizinhos mais pobres na Cisjordânia, é revoltante. Fecho o jornal e ligo a Tv, lá está o Nobel da Paz, mister Obama, líder de um país que a mais de 20 anos produz guerra contra o Afeganistão, por puro luxo. Um país que destruiu nações, como o Iraque e que fez tantos outros de refém como o Brasil (na época das ditaduras militares da América, antes e até hoje). Vejo Obama, o "Nobel da Esperança" e reconheço: ele ao menos é mais bonzinho que o Bush, até se parece com Clinton na postura, mas na prática envia mais soldados ao afeganistão.

Enfim, chego a conclusão de que não dá pra ver Tv, nem dá pra ler jornal, afinal, é só desgraça. Então decido acessar a internet e em meio a 75% das páginas com anúncios publicitários decidi não ler mais nada e escrever neste blog, pois percebi que "há um muro de concreto entre nossos lábios, há um muro de Berlin dentro de mim".

Há alguns anos o compositor brasileiro Humberto Gessinger, vocalista do Engenheiros do Hawai, colocou a frase que dá título a este texto em uma canção de sua autoria intitulada "Alívio Imediato". Não há frase melhor para representar o muro que existe dentro de cada ser humano. Cercearam nossa identidade em meio a uma chuva de conceitos e preceitos deste sistema atual, "o melhor que o ser humano poderia inventar": o sistema capitalista.

Fomos educados a interpretar o mundo desta forma. Achamos horrível as filas do regime comunista, a "fila do pão" ou da "água", mas levamos na boa a fila do INPS ou a fila do banco, bem como, suas tarifas inexplicáveis. Achamos uma desgraça o governo Chaves, o governo "daquele índio estúpido" como dizem por aí, mas não dizemos nada a respeito de Berlusconi, Sarkozi e companhia, que escravizam continentes inteiros com suas políticas protecionistas.

Achamos inadmissível um governo totalitário, mas concordamos pacificamente com o novo imposto do cheque, com os atos secretos do Sarney e da banda, com os vôos familiares dos senadores ao exterior para fazer compras e com tantas outras façanhas dos nossos representantes governamentais, desde há muitos e muitos anos, sejam eles eleitos ou não pelo voto popular.

Tudo isso faz sentido pois construíram um muro dentro de cada ser humano, no plumo, rebocaram no jeito e as sapatas são profundas, de alicerce maciço. Não há picareta capaz de poder derrubá-lo pois ele foi construído com a argamassa mais forte que existe: a manipulação ideológica. Como não podemos destruí-lo, às vezes ficamos em cima do muro, outras nos revoltamos e pulamos pro outro lado, mas no dia-a-dia parece inevitável ter que pisar na bela passarela do "status quo".

Este texto é uma provocação para aqueles que defendem cegamente o regime atual, assim como os seguidores do Nazismo defendiam Hitler, assim como os fundamentalistas islâmicos defendem a destruição de cidades com mísseis e homens-bomba.

E para concluir, não vou citar Marx, muito menos Adam Smith, mas gostaria de dividir uma parábola citada por meu pai: "Tá vendo aqueles dois bebês no berço, um está com a chupeta, o outro está chorando, pois um é mais forte que o outro e tira proveito disso. Eles poderiam estar num berço de palha em Jerusalém, de madeira no México, num berço de papelão em uma favela no Rio de Janeiro, numa tenda sob o escaldante sol do Saara ou até mesmo numa suíte de algum hotel de luxo de qualquer capital e a situação se repetiria, porque o problema não é o regime em que vivemos, o problema é a conduta do ser humano, seja ele de qualquer etnia".



Por Mário Barroso - músico / jornalista

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