terça-feira, 10 de julho de 2012

Só um poeta...

(Mário Barroso)


Não tenho hora para entrar e nem sair do serviço.

Exerço inúmeras funções ao mesmo tempo,

Não recebo salário, sou voluntário,

Sequer sou reconhecido por isso,

Sequer deveria!



Não tenho chefe ou patrão,

Não tenho nenhum direito garantido por quem quer que seja,

A não ser o de ser livre, por mim, não pela Constituição!



Confesso que alguns dias não faço nada, mas são raros.

Minha cabeça não me dá o direito de tirar férias para viajar,

Pois viajo muito no trabalho,

Mesmo sem querer.



O dia e a noite são sempre corridos,

Sonhar acordado me consome muito tempo

E, meus afazeres, me consomem todo o resto.



Quando estou de plantão,

Curo os enfermos, com palavras de fé e apoio.

Aos terminais, ofereço apenas a paz.

Dispenso atenção aos idosos que me procuram,

Fazendo-os compreender o tempo com a paciência.

Aconselho os jovens criando metáforas sobre a vida,

Com lições de humildade e esperança.

Apresento o mundo às crianças em contos,

Com todos os fios e desafios.



Pregando por aí, arrebanho fiéis

Para crença de que tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

Desmistifico o céu e o inferno.



Como político, atuo junto aos meus pares,

Lutando pela valorização do meu trabalho,

Pela arte, pela necessidade e direito de produzir

Ou reproduzir.



Construo conhecimento em qualquer terreno,

Projeto os argumentos que me vêm à mente em um alicerce concreto e abstrato,

Para não desabar em qualquer conceito.



No divã, tento compreender as angústias mais agudas da existência humana,

Não há remédio para os meus distúrbios,

Tenho síndrome de tudo.

Também não há remédios para os seus,

Pelo que vi até agora.



Tem dias que gosto de sair para pescar,

Jogar a isca no imenso oceano de percepções do Universo

À procura de alimentos para minha alma.

Sempre trago algo para casa,

Nem que seja eu mesmo.



Semeio cultura no solo de dentro, para colher os frutos no solo de fora,

Só que as pragas estão cada vez mais fortes.

Eu, nem tanto.



Confesso que não gosto quando tenho que ser um advogado astuto

Para defender com unhas e dentes o valor do meu ofício.

Um promotor convicto,

Ao afirmar que minha obra não vale nada diante da existência.

Um juiz cruel e implacável,

Quando julgo o mundo e a mim, sem pena.



Me divirto mesmo,

Ao fingir sentir a dor que não é minha

E que não é dor a dor que me aflige o peito.



Compor melodias então é um imenso prazer, quando há tempo.

Alinhar as frases para dar ritmo aos pensamentos,

Me encanta.



Dançar não é comigo,

Mas me esforço um bocado para aprender os novos passos do mundo

E entrar na dança.



Não sou adepto ao trabalho braçal, isso é inegável.

No entanto, saio pelas ruas catando restos de manipulação ideológica

Para dispensar tudo no aterro sanitário da sabedoria.

São toneladas de lixo tóxico e nocivo, de vias públicas e privadas,

Que eu dispenso todos os dias.



Não sou formado, estudei pouco, mas li muito.

De fato, ainda não aprendi nada.



Hoje apenas sou por existir.



Sou tantos quantos puder e quiser.

Sou um, dois, sou até mais que três.

Chego a ser muitos, mesmo não sendo ninguém.



Sou só, às vezes até mais do que eu gostaria.

Para o leitor, um texto sem voz.

Para os demais, mais um.

Para mim, só um.

E isso já basta!

4 comentários:

João Bid disse...

São tantos os olhares do poeta e para o poeta.
Os objetivos batem, os subjetivos acariciam.
Você tá ficando bom nisso.

:) disse...

Belo Marião !!!

O poema da primeira pessoa do singular !!! Rrsrrsrs...

Parabéns pelo texto e pela inspiração. Brilhante.

Marcos Noggerini disse...

Parabéns Mário
Sensações e identificação em vários trechos...
Muito bom!

Unknown disse...

Que beleza Marião. Esse veio do fundo da alma. Bem sua cara. Parabéns