Não existe nenhum grupo de seres vivos em maior número que habitam o centro daquela cidade do que as pombas. São centenas, parecem milhares. Cada forro de telhado é uma brecha para um novo ninho. Mais pombas! Mais velhinhas voluntárias jogando migalhas e restos de comida no chão do quintal, no chão da praça. E assim as pombas crescem fortes, se reproduzem e fazem daquele centro um verdadeiro pombal.
Elas são astutas, ligeiras. Para pegar uma com a mão, só matando. Mas o que impressiona é o quanto esse pombal gera de sujeira. Janelas, telhados, pisos e cabelos, vítimas diárias de uma ou outra esguichada de fezes.
Isso não é nada perto do som dissonante do pombal ao amanhecer, sempre festivo, acasalador e despertador: “Vrúrururu! Vrúrururu...”. Tão pontuais quanto o galo da madrugada, as pombas parecem que acordam cantando.
No entanto, naquele dia o pombal soava estranho e entre todas as pombas visíveis havia uma visivelmente triste, cabisbaixa. Parecia não comer há dias, sem forças, desolada por algum motivo. Repentinamente essa pomba desceu, num rasante vertical do topo do telhado e ficou observando, parada no parapeito, por horas e horas, esquivando preguiçosamente dos pedestres.
Após um longo tempo ali, parada, ela pulou calmamente o degrau e começou a atravessar a rua. Percorreu todo o trecho em linha reta, como que marchando, em direção a seu trágico destino. Ao contrário das demais que sempre estão ciscando e mirando o chão, ela andava de cabeça erguida, como se visse algo além do horizonte da outra calçada. Mirando com um olhar inatingível e indescritível, ela seguiu.
Naquele dia, passou quase que no mesmo horário o ônibus do meio dia. Lotado como de costume, subiu vagarosamente aquela rua inclinada que tem uma rotatória no topo. Mas antes de ele chegar a seu destino, uma pomba desventurada cruzou o seu caminho.
E parece que foi de caso pensado, que ela havia decorado o ritmo do trânsito daquela rua. Ela marchou calmamente, como que em câmera lenta. O ônibus lotado chegou bem próximo e ela continuou. O motorista nem notou sua presença, apenas um pequeno solavanco na roda dianteira direita.
Na hora, uma arrevoada...
No chão, ficou o cadáver de pomba, esmagado pelo ônibus do meio dia. Tocou o sino da igreja, outros carros ainda passaram por cima dos destroços da pomba. O morador que assistiu a cena, sorriu.
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